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Bate-papo com o leitor - Paulo Jorge Cruz


Olá, pessoal!
Hoje, temos mais uma novidade no blog. Criamos uma seção para publicação de e-mails dos leitores que queiram discutir ou complementar algum assunto publicado aqui.

Nossa primeira postagem nesse sentido traz a mensagem do leitor Paulo Jorge Cruz, de Portugal, que fez o primeiro contato conosco através dos comentários no post "A percussão na orquestra do Século XVIII", publicada no dia 18 de maio de 2009, que discorre, entre outos aspectos, sobre o uso de tímpanos nas composições de J. S. Bach. Através de um proveitoso contato via e-mail, pedimos a ele mais informações, e agora publicamos para vocês a resposta, com informações muito esclarecedoras complementando o que ele já havia dito antes. Pois bem, com a palavra, Paulo Jorge:

"BACH, IDEIAS E FA(C)TOS

A música não há como ouvi-la. No caso de Johann Sebastian Bach, a ideia ganha importância por ser quem é. Apesar de músico do barroco tardio, Bach subverteu os conceitos desse estilo e por isso obriga hoje os livros especializados sobre o tema a fazerem ressalvas técnicas sempre que chegam à sua música. E isto não é nada. O maestro belga Philippe Herreweghe diria uma vez: “música contemporânea? música contemporânea é a música de Bach (ao canal de TV “Mezzo”). Não é por acaso que Bach é tão apreciado pelos músicos de Jazz, pelo seu contraponto certamente.

Sobre Johann Sebastian Bach, tudo o que se disser nunca será muito mas, ao mesmo tempo, tudo o que é dito pode até ser supérfluo. Ouvir a sua música é a experiência que importa.

As composições de Bach juntam à melodia a sua própria plenitude, torna-se mais que bela, mais que melódica. A audição das suas peças não cansa e não satura. E porquê? Porque a sua complexidade e sobretudo dinamismo interno suscitam a constante renovação do prazer auditivo, sempre descobrindo algo de novo, seja pelo mesmo intérprete, seja através de outra perspectiva. No oposto, a ausência dessa dinâmica em muitos outros compositores, esgota-os na disponibilidade auditiva.

Em 1870 Wagner seria autor de uma peculiar observação, como era aliás seu timbre. Em Junho daquele ano Nietzsche levou a Wagner uma gravura da “Melancolia” do génio Albrecht Dürer (o Alemão que viveu entre o século XV e XVI e foi filósofo, artista, teórico, pintor, etc). Wagner deixou então escapar a seguinte comparação entre Dürer e Bach – comparação intelectual entre ambos que ainda hoje é muito recorrente na Alemanha:

“Os dois eram dotados dessa rica imaginação misteriosa, privada de beleza, mas tocando o sublime, o que ultrapassa toda a beleza”. (Martin Geck, “Matthäuspassion” BWV 244, Seiji Ozawa, Philips 1999)

O dinamismo de que falo permite, afinal, que a sua música reúna consenso entre os que procuram beleza objectiva e os que buscam eloquência metafísica. Todos encontram a sua própria fruição.

No entanto, a habitual ingratidão e incompreensão que caracteriza todos os génios durante o seu tempo de vida, também aqui fez com que Johann Sebastian Bach fosse considerado “um mal menor” quando em Fevereiro de 1723 foi chamado a prestar provas para o cargo de Thomaskantor e Diretor Musical da cidade de Leipzig, a que se candidatara. Nessa altura foi a 7ª opção, o último.

Quando morreu, a primeira opção da “autoridade eclesiástica” (Kirchenbehörde) recaiu sobre o grande amigo de Bach e padrinho de Carl Philipp Emanuel, Georg Philipp Telemann, nessa altura já em Hamburg, que recusou; seguiu-se Christoph Graupner, que não foi autorizado a deixar Darmstadt; vem depois Johann Fasch, que também recusou; houve ainda 3 hipóteses, mas todas descartadas; finalmente Bach foi chamado a prestar provas…!

Na vertente musical o processo de candidatura decorreu da seguinte forma: o tema de 2 cantatas, já com nome e texto, foi apresentado a Sebastian, cabendo-lhe compor música – um autêntico exame. Como era hábito, ambas as cantatas foram tocadas em cada uma das duas principais igrejas da cidade, A Nikolaikirche (Kirche=Igreja) ou St. Nikolai, e a Thomaskirche ou St. Thomas – ambas existem hoje, mas esta última adquiriu clara primazia sobre a outra. No século XVIII, ainda que equivalentes, as duas igrejas Românicas (século XII) apresentavam-se de forma hierárquica, com a Nikolaikirche à frente; era aqui que as grandes obras se estreavam em primeiro lugar, como por exemplo as “Paixões”.

Eis os nomes das 2 cantatas para as quais Bach compôs música: “Jesu nahm zu sich die Zwölf(e – hoje em Alemão escreve-se Zwölfe - doze)” (em tradução livre – Jesus tomou para si os 12) BWV 22 e “Du wahrer Gott und Davids Sohn” (tu verdadeiro Deus e filho de David) BWV 23.

Um ano mais tarde, em 20 de Fevereiro de 1724 e já como Kantor, Bach tocaria de novo as 2 cantatas para a mesma ocasião litúrgica: o Domingo da Quinquagésima (50 dias antes da Páscoa e uma semana antes do início da Quaresma, data a partir da qual e durante 42 dias não se tocava música concertante nas igrejas de Leipzig, o “Tempus Clausum”).

Em 5 de Maio de 1723 na “Rathaus” (=câmara/prefeitura) de Leipzig, construída em 1556, Bach assinou o contrato que o vincularia durante todo o resto da sua vida. A sala onde o protocolo teve lugar chama-se “Ratsstube” (sala do município ou sala de visitas) e pode ser percorrida, lá encontra-se todo o mobiliário que serviu o acontecimento, incluindo uma cópia da “pena” e do documento/contrato (os originais estão no “Arquivo Nacional”). Em 22 de Maio a família de Johann Sebastian muda-se para a cidade, 8 dias mais tarde estreia a sua primeira cantata oficial, a BWV 75 “Die Elenden sollen essen” (os infelizes devem comer), um excelente trabalho em 2 partes começado ainda em Köthen mas só em Leipzig tocado. Era a primeira de pelo menos 1350 cantatas que Bach tocaria ao longo dos 27 anos que ali viveu (e morreu, terça-feira 28 de Julho de 1750). A partir dele a música só podia mudar, e disso encarregar-se-iam os seus filhos de fazer.

Paulo Jorge Cruz"
Contato: paulojorgecruz@mail.pt

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