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Similaridades entre os ritmos e instrumentos brasileiros e árabes


(Entrevista concedida do percussionista João Cassiano para a Revista Rio Orient)


Na pancada do...Soudi?
- ritmos e instrumentos brasileiros e seus “primos” árabes

Um país com uma riqueza cultural incalculável como o Brasil é fonte de pesquisa para inúmeros estudiosos, brasileiros ou estrangeiros, que se maravilham com os frutos da cultura européia, africana e indígena – seja na língua, nos costumes ou nas artes (principalmente na música, nossa grande divulgadora mundo afora). Muitos dizem que tal “união” é a principal responsável por essa nossa mistura saudável. Mas e se houvessem mais elementos que contribuíssem para a formação dessa geléia geral?Elementos mais...orientais.

Uma conexão oriental-nordestina?
No ano de 2006 fui convidado pela bailarina Kilma Farias para montar um trabalho com percussão ao vivo na dança do ventre, trabalhando os ritmos e instrumentos mais usados nesse estilo de dança. Pois bem, adquirido um derbake (instrumento de percussão solista nas orquestras árabes), métodos de estudo e cds com ritmos, começaram os trabalhos de aprendizado – e muito daquele material; os ritmos, instrumentos de percussão – soava muito familiar para mim, e muito próximo de trabalhos que já desenvolvia (trabalhos esses ligados à música regional nordestina), e inclusive de alguns instrumentos que possuía. O aprendizado do derbake e dos ritmos árabes se tornou algo mais, a busca de uma conexão entre a música árabe e a música brasileira de raiz africana e nordestina.

Instrumentos árabes: Esquentai vossos... daffs?
A primeira grande “similaridade” entre a música árabe e a brasileira que encontrei foi nos instrumentos utilizados, principalmente nos de percussão. A música nordestina e a música do sul são cheias de acordeons, assim como algumas orquestras árabes utilizam o mesmo instrumento, e há quem diga que a viola dos repentistas e a viola caipira lembram muito instrumentos como alaúde e a sitar (que se tornou símbolo da música indiana, embora tenha origem árabe) – mas vendo e comparando instrumentos como tabl e zabumba, ou o daff e o nosso conhecido pandeiro é que comecei a ver conexões entre culturas aparentemente distintas.
O tabl (que também é chamado de davul ou de tambor baladi) é um instrumento de percussão de grande porte e formato cilíndrico, com um som grave muito marcante. É utilizado geralmente por grupos folclóricos e é tocado usando duas baquetas, uma para os sons graves e outra, mais fina, para os sons agudos - assim como a zabumba nordestina, que também é percutida com duas baquetas, é usada em muitos grupos folclóricos e é, junto com o triângulo e o acordeom, ícone do forró brasileiro.
O daff é uma das inúmeras espécies de pandeiros presentes na música árabe, e é bem similar ao nosso pandeiro, mudando apenas a maneira de tocar (árabes tocam na vertical; brasileiros na horizontal). Reza a lenda que o pandeiro (conhecido internacionalmente como frame drum) foi criado na antiga Pérsia, e de lá se espalhou para vários países do mundo todo, inclusive o Brasil.

Ritmos árabes x Ritmos brasileiros


Depois de começar a ver uma conexão entre oriente e Brasil via instrumentos de percussão, a audição e estudo de alguns ritmos mais usados na dança do ventre me proporcionou mais argumentos para defender uma idéia cada vez mais próxima, mais palpável. Ritmos de dois tempos (ou breves) como Malfuf, Ayub/Karatchi e Soudi são similares a ritmos encontrados no nordeste como Côco, Ijexá e Baião, e ritmos de seis tempos como Shaabi, Bambi e vários outros ritmos norte-africanos (região conhecida como Magreb pelos árabes e que envolve países como Argélia, Tunísia e Marrocos), são bem próximos de nossos ritmos de origem afro.

Oriente e África na música afro-brasileira e nordestina
Depois de verificada toda essa semelhança musical, uma pergunta veio á tona: como se deu essa influência da musica árabe na música brasileira? Pesquisando sobre o assunto cheguei a algumas possíveis conclusões, a primeira de todas é que a influência da cultura árabe na nossa cultura se deu por intermédio dos países da Península Ibérica (Espanha e Portugal), que sofreram com invasões mouras durante séculos, e acabaram absorvendo muitos aspectos de sua cultura. Repassando tais aspectos para suas colônias.
Outra hipótese é que tais traços podem ter sido trazidos por escravos africanos convertidos ao islamismo, ou de regiões como o Magreb. O Brasil do Século 19 esteve às voltas com uma rebelião chamada “Revolta do Malês”, comandada por escravos de religião islâmica (malê vem de imalê,que significa mulçumano em iorubá) que pretendia instaurar no país uma monarquia islâmica, e o símbolo do Candombe (ritmo afro-uruguaio) é uma lua nova com uma estrela dentro, que segundo eles é um símbolo proveniente dos escravos islâmicos que foram levados ao Uruguai.
Essas são duas hipóteses que acredito serem mais prováveis, mas essa discussão ainda tem muito mais assunto, afinal por todo século 20 mascates árabes andaram por todo o Brasil e durante muito Pernambuco e Salvador foi refúgio dos judeus no nosso país... Se prestarmos atenção, muito da nossa cultura, do cuscuz aos azulejos ricamente adornados, dos turbantes das baianas aos cantadores das feiras populares, têm um detalhe do oriente, um ponto de intersecção entre Salvador e o Cairo, João Pessoa e Beirute, o mundo árabe e o Brasil.

João Cassiano
Malfuf ou Laf = Ritmo folclórico egípcio conhecido como LAF bastante utilizado. É comum na área que compreende Egito, Israel, Palestina, Síria e Líbano.

Côco-de-embolada ou Samba de Côco = Ritmo de provável origem nos cantos de trabalho das mulheres que quebravam côco, se espalhou por todo nordeste com sutis diferenças. Em Sergipe o ritmo é tocado com pandeiro e cantando como uma forma de repente, assumindo o nome de côco-de-embolada. Em Pernambuco o ritmo é mais sincopado, e ganha o nome de samba-de-côco, na Paraíba ele é tocado com um grupo percussivo (caixa, bombo e ganzá), e assume o nome de coco-de-roda, muito comum em comunidades de pescadores e lugarejos que anteriormente foram quilombos. O maior representante do côco (de embolada) no Brasil foi o músico paraibano Jackson do Pandeiro.

Karatchi = Ritmo de provável origem norte-africana, muito usado na música folclórica e moderna de países como Tunísia, Argélia, Marrocos e Egito.

Ijexá = Ritmo africano utilizado no Candomblé de rua (Afoxé).

Ayubi = Tocado em todo Oriente. Usado de forma lenta para Dança Tribal de Transe.

Norte Africana Egípcia (ZAR) que simula um camelo andando. Aparece de forma acelerada em solos de percussão principalmente para finalização.

Ijexá (capoeira) = Variação do Ijexá usado na prática da capoeira; misto de luta e dança criado por escravos brasileiros.

Soudi = Usado na música árabe saudita e na dança do Golfo Pérsico que é o Khalige.

Baião = Ritmo tipicamente Brasileiro, bastante encontrado nos sertões dos estados do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.


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