Marcadores

A batucada da Nenê de Vila Matilde - Parte 3

Toque de caixa

A transcrição das estruturas rítmicas da bateria da Nenê foi um aspecto do trabalho que exigiu atenção especial devido a complexidade de representar, de forma plena e compreensível, o fazer musical de um grupo composto por mais de duzentas pessoas e por causa das restrições do uso da simbologia rítmico-musical clássica ocidental na descrição sonora de uma bateria.

Desse modo, embora a considerasse insuficiente para a descrição gráfica plena da música produzida pelo grupo, Francisco adotou a notação clássica das partituras musicais para representar visualmente os esquemas rítmicos da bateria, por entendê-la como um código universal. Conseguiu, com isso, representar o esqueleto básico das estruturas, tornando-as compreensíveis. Porém teve o cuidado de complementá-las com descrições textuais a fim de aproximar a grafia musical da realidade sonora da bateria.
Foram considerados ainda elementos inerentes ao universo carnavalesco, como os conceitos básicos de sustentação (o andamento rítmico, que não deve nem diminuir nem acelerar durante o desfile) e entrosamento (a perfeita combinação de sons emitidos pelos vários instrumentos), entre outros, apresentados no quesito bateria, do regulamento do concurso entre escolas de samba.
Segundo ele, a batucada, isto é, o ritmo desenvolvido pelos naipes pesados (surdos, caixas e repiniques) é o ponto forte e uma espécie de identidade musical da bateria da Nenê. A forma como são tocadas as caixas e surdos de terceira configura uma das principais qualidades distintivas do conjunto.
“A batida de caixa matildense é única, nenhuma outra escola de São Paulo ou Rio de Janeiro utiliza o mesmo padrão. O surdo de terceira sendo tocado de forma livre, ou seja, com liberdade para o ritmista variar e brincar com o ritmo, também é singular, e da relação que se estabelece entra caixa e surdo de terceira se cria uma das características mais marcantes do ritmo da Nenê”, explica o pesquisador. “A batida da caixa dialoga diretamente com a batida do surdo de terceira, criando um ‘balanço’ característico.”
Outros diferenciais constatados pelo estudo foram a sonoridade grave (a afinação é mais grave que a da maioria das baterias de São Paulo, aspecto que se evidencia principalmente pelos surdos e caixas), o andamento cadenciado (em comparação com outras baterias paulistanas a da Nenê apresenta um andamento mais cadenciado, isto é, mais lento) e a flexibilidade na execução musical (os ritmistas têm grande liberdade na execução de seus instrumentos, com liberdade para floreios e interações pontuais entre eles). Essa maleabilidade, destaca o professor, colabora para uma polirritmia complexa através de diversas variações rítmicas interpretadas principalmente nos surdos, caixas e repiniques.
“A Nenê de Vila Matilde representou uma verdadeira escola de ritmo de samba para o carnaval de São Paulo. Desde sua fundação foi um celeiro de grandes mestres de bateria, que levaram a experiência matildense para outras agremiações, transformando o ritmo da Nenê em referência nos desfiles paulistanos”, enaltece Francisco.
Conforme apurou, o ritmo da escola atravessou distintas fases da festa popular sem deixar de ser considerado um dos melhores até os dias de hoje e, mesmo com muitas transformações sofridas ao longo dos sessenta carnavais dos quais a Nenê participou, manteve características próprias. Não é à toa que a bateria ostenta orgulhosamente o feito de ser, até hoje, a única a ter permanecido por 26 anos consecutivos tirando apenas notas 10.
Por Chico Santanna

Nenhum comentário: